domingo, 28 de julho de 2019

"Tá faltando espírito"

   Durante os poucos anos que venho construindo meu Kung Fu através do Sistema Ving Tsun, já pude ouvir relatos de várias pessoas sobre o porquê delas terem buscado no caminho das artes marciais uma forma de se realizarem, ou suas impressões a respeito, e cada relato deixa de maneira evidente o quanto as pessoas são únicas.
   Nesta publicação, gostaria de falar sobre dois pontos que me tocam até hoje e que de alguma maneira acabam tirando de mim boas oportunidades de reflexão, servindo como verdadeiras epifanias dentro da prática do Ving Tsun. Além disso, considero relevante dizer que as ideias aqui abordas tratam-se de interpretações.




  1. "A frustração faz parte da jornada do artista marcial."
   Mesmo já tendo passado por algumas situações frustrantes, ainda carrego uma tendência a ficar "cabisbaixo" quando algo não sai da maneira como planejo, e isso não se aplica só ao Kung Fu. Suponho que, a frustração seja uma tentativa, um ímpeto em querer fazer as coisas darem muito certo, e não há nada de errado nisso. Só que, algo curioso e na direção oposta acontece: ao darmos uma atenção em demasiado para um único ponto, mesmo sem querer acabamos esquecendo de checar o andamento das coisas que estão caminhando em paralelo. E isso, muitas vezes sinto quando estou praticando o Chi Sau, por exemplo. Posso estar presente fisicamente na situação, mas a minha mente, em contrapartida, se perde num milésimo de segundo, e perder a linha central não é legal para um praticante de Ving Tsun.
   Mas, acredito que as coisas tenham que ser assim mesmo. Afinal, se tudo for sempre perfeito, ou "direitinho", o que poderia se tirar de situações como estas? Mas tão pouco deixarei a situação sempre "correr solto", imaginando que sempre vou poder recuperar de alguma forma lá na frente. 
  

Manhã de prática no mo gun. Os si hing Niklas Correa e André Guerra observam. Registro feito pelo si hing Guilherme de Farias.

   Foi após o momento da prática registrado acima que Si Fu, direcionado a mim disse "Tá faltando espírito". Por esta falta de espírito, naquele momento assimilei como a falta de uma intenção, quer fosse de avançar, ou de estar conectado com ele. Arriscaria dizer que faltava também uma consciência mais viva da minha parte.
 

     2. "Enxergar o potencial de cada situação e extrair algo dela."

    Acho que uma outra boa interpretação para o significado de Kung Fu seja saber como administrar uma situação e extrair dela o que puder. No meu caso, seria como lidar com a minha própria falta de espírito, ou falta de consciência. Mas, sabendo disso, qual deverá ser minha disponibilidade em mudar minha postura e não me deixar levar pelas circunstâncias?
  Não ficar "chutando pedrinhas", ou colocar-se numa postura apassivada podem ser atitudes importantes para uma mudança no modo de enxergar as coisas.
   Por fim, acho que é muito fácil dizer "não consigo", quando na verdade, como praticante de Ving Tsun, eu deveria buscar uma maneira de me ajustar à situação, que é o que nos é passado constantemente. Ou, como refinar minha postura a ponto de não fazer de mim meu próprio inimigo.
   Acho que, muito antes de entender que a frustração faz parte da vida e que é possível tirar lições dela, antes de mais nada, preciso me dedicar mais e melhor à pessoa que vai me orientar nesta jornada marcial...

Si Fu.

   

sábado, 13 de julho de 2019

Sobre fazer algo bem e mobilizar outras pessoas.


"O que quer que faça, faça bem feito. Faça tão bem feito que, 
quando as pessoas te virem fazendo, elas queiram voltar e ver você fazer de novo e 
queiram trazer outros para mostrar o quão bem você faz aquilo que faz."

- Walt Disney


  A frase acima é de autoria de um dos maiores criadores que já existiram.
  Apesar de não saber em que momento o autor a disse, ou pelo o que estava passando, ou a quem disse, foi como se conseguisse compreender seu pensamento. 
 Refletindo sobre a frase, sigo pensando a respeito daqueles que são nossas inspirações e se nossas atitudes permitem que nos tornemos inspirações a outras pessoas.


Registro Si-To tirado em algum momento de novembro de 2018.

   Já ouvi dizer que existe um problema em fotos, que elas congelariam um momento no tempo e espaço. Mas acredito que a grande sacada das fotos seja a de imortalizar certos feitos ou acontecimentos, fazer-nos relembrar sentimentos...
   Sobre a foto acima, lembro de estar mexendo com coisas de obra no Mo Gun e Si Fu sugeriu tirarmos a foto. Apesar de meus protestos de que estava "todo sujo" para uma foto, ele dissera que "se ele já não tivesse me dado um Nome-Kung Fu, este seria "Moy Todo Sujo" (risos).
  Neste período eu ainda tentava compreender e levar a frente as atividades do que Si Fu nomeara como "Coordenação de Ambiência Objetiva", que resumidamente, tratava-se de atividades que englobavam o zelo e a manutenção do Mo Gun.


Estudando a sequência do "Biu Ji" com os irmãos-Kung Fu Iuri Alvarenga e Bruno Brandão.

  Até o momento eu tenho abordado, sempre que possível, sobre meus entendimentos acerca do desenvolvimento do processo relacional. Esse momento não foi diferente.
  No entanto, seria muito fácil construir histórias em que tudo dá certo. Lembrar do dia em que almoçamos com Si Fu, das práticas, coisas tidas como boas, e esquecermos das broncas e puxões de orelha. Digo isso porque, a ponte estabelecida no início do projeto da Ambiência, já não era mais a mesma no término do ano de 2018, e fui me ausentando até afastar completamente.
  Fazendo uma reflexão, acredito que o fator principal para meu afastamento gradativo das atividades tenha sido minha inabilidade de não conseguir mobilizar outras pessoas a integrarem o projeto e levá-lo adiante.



Momentos antes do voo para São Paulo decolar - Março/2019.
  

   Pude ouvir recentemente de Si Fu que "o Kung Fu é uma manifestação física, antes de mais nada". E, neste caso em específico, mobilizar outras pessoas é fruto de um Kung Fu advindo de um longo processo de refinamento. Essa foto, para mim, é uma das muitas maneiras que o Kung Fu pode vir a se manifestar. Estive em lugares e com pessoas que apenas havia imaginado. Meu Eu dizia "melhor não ir", porém o artista marcial ainda em desenvolvimento dentro de mim disse "Vai!". E foi a este último que dei ouvidos.
  E tem sido um trabalho manter a mesma conexão estabelecida naquela viagem.
 Por fim, eu diria que a crença no processo relacional materializada por Si Fu torna compreensível a da frase de Walt Disney "fazer bem feito até que as pessoas voltem e tragam mais pessoas para vê-lo fazendo". Este fazer bem feito implicaria, eu suponho, na capacidade incrível de Si Fu de mobilizar outras pessoas a externalizar a sua própria natureza, pois é mais legítimo deixar a pessoa descobrir seu próprio caminho, e o Ving Tsun Kung Fu se encaixa bem nessa definição, acredito.




sábado, 6 de julho de 2019

Imagem do intangível

   "Nós medimos a grandeza de uma pessoa 
através da quantidade de coisas que ela consegue suportar."

Patriarca Moy Yat (1938 - 2001)


   O mês de junho possui um significado muito importante às famílias que compõem o Grande Clã Moy Yat, em virtude do natalício de nosso patriarca.
   Assim como eu e outros irmãos-Kung Fu, todo o contato que temos com nosso Si Taai Gung, bem como todos os meandros de sua vida, vêm dos relatos da vivência de Si Fu com o proeminente patriarca, até seu falecimento no ano de 2001.
   Algo que tenho compreendido aos poucos é que, não importa se sua memória é boa ou ruim para guardar histórias, a relação permitirá que elas permaneçam em nosso subconsciente, de forma latente, só esperando o momento certo para serem novamente relembradas, assim como o próprio Kung Fu: ele existe e sabemos, surgindo quando menos esperarmos.



   A foto acima foto é emblemática, podendo estar facilmente dentre os mais importantes registros feitos da carreira de Si Fu no Sistema Ving Tsun, momento o qual ele faz o Baai Si diretamente com seu Si Gung.
   Si Taai Gung Moy Yat foi um grande artista. Por que não dizer que ele continua sendo? Suas obras e contribuições em todas as áreas em que atuou, continuam a ser compartilhadas até hoje. Um homem de tamanha erudição não somente no campo das artes marciais, mas seu conhecimento também fazia-se presente pela inscultura sigilar (arte de insculpir selos), na pintura com seus Blush Strokes, tendo ainda estudado outras manifestações artísticas.




   Um de seus grandes legados, oriundos do convívio com seu próprio Si Fu, o Patriarca Ip Man, está impresso no que conhecemos por Sam Faat, termo presente em todas as escolas que desenvolvem a Denominação Moy Yat Ving Tsun, é o que conhecemos por VIDA KUNG FU. 
   A riqueza e a importância deste tipo de vida em favor do desenvolvimento do que acredito ser o Kung Fu, reside no fato de que, muito mais do que praticar técnicas até a exaustão, o bom Kung Fu, em tese, poderá ser acessado e compreendido através de atividades consideradas triviais, como um café da manhã, um almoço, mas que, muito mais do que uma conversa de amigos, será uma conversa com um propósito, o desenvolvimento do Sam Faat.
   Falar sobre Si Taai Gung Moy Yat é como rememorar um bisavô o qual o bisneto não teve oportunidade de conhecer, mas que se sente próximo ele por lembrar que ambos têm em comum a data do natalício: o dia 27 de junho.



   Quando pensei em um título para esta publicação quis que ficasse claro como entendo a figura de nosso Patriarca.
   Primeiramente havia pensado algo como "Imagem do Invisível", mas, eu estaria reduzindo sua representatividade a uma mera questão material, quando na verdade, seu legado faz-se presente constantemente, logo, seu legado não pode ser invisível. Até que cheguei à conclusão de que, seria mais coerente ele ser intangível. No entanto, no momento em que escrevia esta publicação, outros significados surgiram. 
   Tendo como referência bibliográfica uma das maiores obras que já pude ler com o tema Ving Tsun, a obra "O Livro de Pedra do Ving Tsun", de autoria do renomado Mestre Leonardo Mordente (11ª GVT), é dito que "associar Moy Yat ao Ving Tsun é significar Ving Tsun puro".
   E sobre este Ving Tsun puro, não é preciso ir muito longe para compreendê-lo. Acredito que trata-se de um Ving Tsun que, muito mais do que com a presença dos punhos, faz-se com a presença do coração.